segunda-feira, 25 de julho de 2016

AS PAREDES DE MAURÍCIO FRANCO - DE ESPAÇOS OUTROS

Descascadas ou virgens, fraturadas ou geométricas, paredes normalmente são molduras para arte, vácuos plasmados de suporte para a luz em galerias que focalizam o objeto artístico direcionando o olhar. Porém, e se as próprias paredes em sua imperfeição não-contornável assumirem a vivacidade artística?
O Todo
 Este é o trabalho do artista paraense Maurício Franco, criações aderentes às paredes dos amigos, espaços de trânsito e desconhecidos doadores de "telas habitáveis", carregadas de marcas e tempo, assumem a quadratura rizomática para sua pintura condenada à inocência, de modo algum efêmera, mas já nascidas para crueza e fragmentalidade porque envolvidas no suporte que as aconchega destrutivamente. Elas não estão sobre, mas com a parede, acompanhando sinuosidades, rebocos destroçados, trepadeiras e sujeira irrevogável que é, ao mesmo tempo, finitude e muco criativo, explorado pelos desenhos de Maurício.


Sereiar

O artista visual é bastante conhecido em Belém do Pará pela variabilidade de seus trabalhos, mas suas pinturas e desenhos aderentes às quadraturas perdidas nos transportam aos entremeios da construção que é criação, da criação que é relação e da relação que é deterioração renovadora, uma beleza discreta que produz contornamentos e contorções ao criar nos limites - sempre inícios e não fins - da materialidade o sentido imaterial que transcende pintura e parede, em reunião.
Pras Negas

O que Maurício nos pede é uma "parede de felicidade", estranhamente contra a qual não podemos vencer ou avançar, a não ser violentamente, se inscreve ali uma abertura, um novo horizonte de sentidos e sentimentos, confundindo-se com o ambiente, pequenos mundos gostosamente mágicos e rabiscados como que em fuga para o encontro.

A variação temática é enorme, como um fluxo de inconsciência coletiva. Porém, mulheres e religiosidades são recorrentes, uma insistência multiplicada ao infinito, eterno retorno, circularidade que faísca os olhos, o desejo e a celebração da vida e, também, o mistério, o tremendo e o incontrolável despedaçamento.
Nadar, Voar, Libertar

Paredes vivas abertas pelo Mau...

Artigo originalmente publicado na Obvious Magazine




sábado, 20 de fevereiro de 2016

Todos ficaram embasbacados com a recente comprovação do "som gravitacional" que Einstein teorizava há 100 anos! É magnífica a descoberta e, ao que parece, pode abrir campos completamente novos de estudo, pesquisa e criação de outras estratégias de abordagem tecnológica - tem gente até falando em possibilidade de viagens intergalácticas e imortalidade pela "trajeção" no tempo-espaço.

http://popsapiens.net/

Sou um entusiasta da física teórica porque "puxa" o desenvolvimento da aplicabilidade da física e amplia a persistente busca pelo novo. Ousar a comprovação de certos nexos teóricos, como "o som do universo", implica uma demanda colossal de físicos, engenheiros, arquitetos, biólogos e, para quem não sabe, até cientistas sociais em equipes multidisciplinares que, na busca metodologicamente positivista de uma teoria (e aqui de modo algum estou usando o termo no pejorativo), tendem a desenvolver diversos aparatos que irão rebater nos mais recônditos campos da vida humana. Por exemplo, vários aparelhos ligados à saúde surgiram em pesquisas que não estavam diretamente ligadas aos problemas de saúde.

Porém, é muito importante refletir sobre uma questão - o mundo descoberto pelos físicos é, de fato, o mundo dos homens no seu dia-a-dia? Até que ponto uma descoberta bombástica na física se efetiva como uma transformação nos mundos do cotidiano, da química, dos indígenas amazônicos, dos reinos da África Saheliana, dos semi-nômades siberianos? De modo nenhum quero diminuir o esforço titânico, o espírito de equipe e entrega absoluta ao ofício da criação da física como ciência que resultou no "som do universo", mas, se Einstein nos legou uma coisa foi pensar em termos de perspectiva e relativizar as relações tempo-espaciais (muito embora eu esteja sendo metafórico no uso da relatividade numa perspectiva física e não metafórico numa perspectiva geográfica, porque são mundos diferenciais, que podem se nutrir criativamente e entrar em contato, mas estão à luz de distância um do outro).

http://jornalggn.com.br/

É óbvio que não existe materialmente - é essa a tara dos materialistas, ainda que pouco se interroguem o que é, de fato, a matéria - mundos diferentes. Não extensivamente, mas existencialmente sim. O sistema de compreensão de uma idosa indígena, de um morador de rua, de um presidente da república na América Latina, de um professor de sociologia, de outro da literatura comparada com pós-doutorado em Londres, diferem bastante do sistema de compreensão de um físico teórico atuante na descoberta do "som do universo" (Também me parece claro que eles podem, dependendo da disposição de cada um, se comunicar; de todo modo, em seus respectivos mundos existenciais há muitos outros que compartilham o mesmo sistema de compreensão).

Talvez uma idosa indígena também lance mão, ainda que numa linguagem diversa, do termo "som do universo" e, o que significa para ela, e significa materialmente inclusive, é bastante diferente do que para um físico da equipe de descoberta.

http://www.suze.co.uk/

Podemos dizer que ela e todos estão errados e apenas fazem jogos de palavras ou quando muito metáforas criativas para explicitar um "som do universo", quem sabe presente na poética inglesa do século XVIII? Ou, o que é mais provável de ser taxado como metafórico ou errado: quando um mongol usa o termo para explicitar sua conexão silenciosa com a "energia do mundo".



© obvious: http://lounge.obviousmag.org/espacialidade/2016/02/a-magnifica-e-delimitante-descoberta-da-fisica.html#ixzz40iq118He 
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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

TRANSAMAZÔNICA - IMAGENS DA VIDA ENTRE LUGARES

Pense em um espaço que fica entre lugares. Nem aqui, nem lá. As estradas servem para ligar um ponto ao outro, da partida à chegada. Mas e os que vivem no entre lá e aqui?
Seu Asmerindo. Um gênio na beira da "Faixa". Imagem: Mateus Moura
A BR-230, conhecida como Transamazônica, corta as regiões norte e nordeste do Brasil, projetada para unir Atlântico ao Pacífico, nunca finalizada, revela o corte na Amazônia que viabilizou a "conquista da região para o Brasil", embalada pelo patriotismo autoritário - há algum outro tipo? - que unia a terra sem homens (Amazônia) aos homens sem terra (Nordeste), dois estereótipos que se projetaram como verdade.
A estrada, como objeto projetado em nossa consciência, apaga a vida que teima em se fazer à sua margem. Poderíamos dizer que vivem "no fim do mundo", dada nossa certeza urbanocêntrica, mas o fato é que existem no entre-lugares, espécie de vida em/no trânsito, fogem da morte "matada" ou "morrida", não podem ser capturados por estatísticas oficiais ou programas cuja informação prioritária é o endereço residencial. No ato de fugir se encontram, no tato de vagar pela beira da "Faixa" recriam seus próprios lugares íntimos e ancestrais.
Casal mais antigo no trecho entre Anapu e Pacajá (PA). Imagem: Cleison Nazaré
Goiano, poeta transamazônico, e sua neta. Recitando seu cordel para nós. Imagem: Cleison Nazaré
As pessoas, em família, em grupos ou solitárias, constroem formas de viver imersos entre a estrada e a floresta, de uma simplicidade que, numa primeira visada, podem ser entendidas apenas como miserável, mas que revelam clareza de prioridades e sonhos - estudar, defender a terra, escrever suas histórias, plantar a vida para colher existência!
Quase nunca captados em imagens, jamais localizáveis através do Google Earth, sempre percebidos como inexistentes ou, quando muito, massa sem individualidade. Não participam dos debates acerca dos caminhos do mundo, embora entendam muito bem o que é viver nos/dos caminhos. Sua linguagem é outra, nova, construída com palavras rápidas e de contextos geográficos longínquos, revela uma poesia - e há poetas no entre lugares - dura e doce, em cordel verde salpicado de lama e poeira, transpirando incontáveis lugares carregados nas memórias, na alma e nas suas mãos de transamazônicos.
Esta experiência é irredutível, não porque não possa ser comunicada, mas porque quase nunca o é. Se a literatura (artística e científica) consagra o olhar de quem percorre o caminho de um ponto ao outro, quase nunca valorizou quem está vivendo à beira do caminho, posição privilegiada para sentir a passagem não como escapismo, mas como permanência do ser.
Por uma janela à beira da estrada... Imagem: Mateus Moura.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Biografia dos Lugares

"Flider's Green, que nome estranho para alguém", diz Matthew, um corvo falante.
"Alguém, não. Onde!", responde Flider's Green: "Eu não sou alguém, sou um Lugar".

O Grito de Edward Munch
Este diálogo, saído de Sandman (Neil Gaiman), uma história em quadrinhos muito popular, traz a ambiência necessária para falarmos de "espacialidade". O termo tem muitos significados, mas vamos deixá-lo abrangente, leve, meio solto, porque se perdemos em precisão, ganhamos em imaginação. Afinal, a espacialidade é mais do que uma condição da existência, é uma potência espiritual!
Quero, aqui - no momento em que você lê, o seu agora - convidá-lo a viver a espacialidade! Sentir, mesmo que nas coisas miúdas, ou até fora do tempo, esta potência, que ganha vida no encontro entre o ser humano e isto que chamamos de mundo, embora não tenhamos muita clareza do que queremos dizer por "mundo".
A espacialidade não é o mundo, mas sem ela sequer era possível falar de mundo. Porque podemos estar com "todo o mundo", mesmo que estejamos num lugar, persistindo a espacialidade. Podemos estar juntos e, ao mesmo tempo, sozinhos - terrivelmente sozinhos a ponto de gritar - ainda assim persiste a espacialidade, esta autoprodução entre nós e a extensão além.
Da série de pintura "Atlas" de Fernando Vicente
Aqui, vou propor não uma viagem espacial, mas viagem pelo espacial - desde nossos cantos secretos até a distância infinita que não podemos alcançar com as mãos, apenas com palavras, como o mundo!
A ideia é simplesmente fazer do aqui, um encontro possível, só possível a partir da construção de uma espacialidade, necessariamente movente, fluente, escapável, sem uma duração que não seja a troca e o voo do pensamento.
Realizar pequenos momentos densos de troca, experimentar extensões incontidas ou simplesmente acessar o outro em sua trajetória virtual diária, esguia. Fazer do aqui - no seu agora - um LUGAR VIRTUAL, no sentido mais pleno e múltiplo do conceito. Geografar nossos destinos, geobiografar, tarefa impossível e inesgotável, cuja única alternativa é assumir o impossível, ser inesgotável.
Nem só razão, nem só fé para compreender a espacialidade...
"É infrutífero falar da contraposição entre razão e a fé. A razão é ela mesma uma questão de fé. É um ato de fé asseverar que nossos pensamentos têm alguma relação com a realidade" (G. K. Chesterton, o Flider1s Green real).
Esta potência que vivemos, Homo Tractus é nossa comunidade de destino - seja qual for o caminho que escolhermos, tudo muda, a constante é o caminho.


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