terça-feira, 27 de janeiro de 2015

TRANSAMAZÔNICA - IMAGENS DA VIDA ENTRE LUGARES

Pense em um espaço que fica entre lugares. Nem aqui, nem lá. As estradas servem para ligar um ponto ao outro, da partida à chegada. Mas e os que vivem no entre lá e aqui?
Seu Asmerindo. Um gênio na beira da "Faixa". Imagem: Mateus Moura
A BR-230, conhecida como Transamazônica, corta as regiões norte e nordeste do Brasil, projetada para unir Atlântico ao Pacífico, nunca finalizada, revela o corte na Amazônia que viabilizou a "conquista da região para o Brasil", embalada pelo patriotismo autoritário - há algum outro tipo? - que unia a terra sem homens (Amazônia) aos homens sem terra (Nordeste), dois estereótipos que se projetaram como verdade.
A estrada, como objeto projetado em nossa consciência, apaga a vida que teima em se fazer à sua margem. Poderíamos dizer que vivem "no fim do mundo", dada nossa certeza urbanocêntrica, mas o fato é que existem no entre-lugares, espécie de vida em/no trânsito, fogem da morte "matada" ou "morrida", não podem ser capturados por estatísticas oficiais ou programas cuja informação prioritária é o endereço residencial. No ato de fugir se encontram, no tato de vagar pela beira da "Faixa" recriam seus próprios lugares íntimos e ancestrais.
Casal mais antigo no trecho entre Anapu e Pacajá (PA). Imagem: Cleison Nazaré
Goiano, poeta transamazônico, e sua neta. Recitando seu cordel para nós. Imagem: Cleison Nazaré
As pessoas, em família, em grupos ou solitárias, constroem formas de viver imersos entre a estrada e a floresta, de uma simplicidade que, numa primeira visada, podem ser entendidas apenas como miserável, mas que revelam clareza de prioridades e sonhos - estudar, defender a terra, escrever suas histórias, plantar a vida para colher existência!
Quase nunca captados em imagens, jamais localizáveis através do Google Earth, sempre percebidos como inexistentes ou, quando muito, massa sem individualidade. Não participam dos debates acerca dos caminhos do mundo, embora entendam muito bem o que é viver nos/dos caminhos. Sua linguagem é outra, nova, construída com palavras rápidas e de contextos geográficos longínquos, revela uma poesia - e há poetas no entre lugares - dura e doce, em cordel verde salpicado de lama e poeira, transpirando incontáveis lugares carregados nas memórias, na alma e nas suas mãos de transamazônicos.
Esta experiência é irredutível, não porque não possa ser comunicada, mas porque quase nunca o é. Se a literatura (artística e científica) consagra o olhar de quem percorre o caminho de um ponto ao outro, quase nunca valorizou quem está vivendo à beira do caminho, posição privilegiada para sentir a passagem não como escapismo, mas como permanência do ser.
Por uma janela à beira da estrada... Imagem: Mateus Moura.

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